Papel dos Familiares na Estimulação da Fala e Linguagem da Criança com Fenda Lábio-Palatina

Olá meus caros!
Chego tarde mas acompanhado de uma matéria maravilhosa do âmbito da Terapia da Fala. A estimulação da fala e da linguagem dos nossos Heróis é uma das especialidades dos Terapeutas da Fala, mas quero que saiba que o seu papel enquanto pai e cuidador é fundamental! Aliás, é imprescindível! O seu envolvimento e participação no processo são cruciais para o desenvolvimento da fala e da linguagem do seu filho e, por isso, as Terapeutas da Fala Ana Paris Leal e Mariana Alface esclarecem melhor o assunto:
 

Papel dos Familiares na Estimulação da Fala e Linguagem da Criança com Fenda Lábio-Palatina

 
Todos os pais ficam ansiosos pela chegada da primeira palavra do seu filho. No entanto e seja ela “mama” ou “papa”, as bases para a produção da fala são definidas muito antes de se ouvirem palavras concretas. Os primeiros dois anos de vida são críticos para o desenvolvimento da fala e da linguagem de uma criança.
Os Pais dos nossos Heróis questionam-se muitas vezes quanto ao desenvolvimento da fala dos seus filhos e dirigem-se à equipa com perguntas muito específicas: Mas como será a fala dele(a)? Ele(a) vai falar bem? Quando vai fazer frases?. A verdade é que não é possível responder de forma tão precisa a estas questões como gostaríamos. Contudo, é importante que todos os intervenientes e elementos próximos da criança estejam dispostos a incentivar e a contribuir para o desenvolvimento harmonioso da sua fala e linguagem.
Os pais de filhos portadores de fendas lábio e/ou palatinas precisam de estar cientes de que as alterações estruturais associadas à fenda irão afetar a fala, principalmente em dois aspetos: por um lado, na produção de determinados sons e, por outro, na qualidade da voz, que poderá ser mais anasalada se a fenda afetar o palato. Para além disso, precisam também de reconhecer a importância do seu papel no desenvolvimento da fala do filho.
A estimulação precoce do desenvolvimento da fala pelas famílias deve ser feita da forma mais natural e nos diversos contextos, mantendo em mente dois objetivos:
 1) A imitação não é só uma aprendizagem importante mas também uma ferramenta social, e essencial no desenvolvimento da fala. A família deverá incentivar o posicionamento correto dos articuladores (como a língua e os lábios) na produção dos sons, mostrando à criança como devem estar colocados. A preocupação não deve dirigir-se exclusivamente na produção correta do som-alvo, é sim de maior relevância que o filho “copie”, que aprende esta habilidade valiosa da imitação.

 

 2) Se a fenda atingir o palato, a criança poderá ter dificuldades na produção de alguns sons que são produzidos na boca (como os sons /p/, /b/, /g/, /s/). Por esta razão, vamos querer incentivar a criança a diferenciar quando o fluxo de ar é conduzido para a boca ou quando é direcionado para o nariz. É importante fazer jogos com este objetivo, mesmo antes da produção correta destes sons.
 
Sendo a fala um ato social, não existe melhor forma de incentivar o seu desenvolvimento do que através da brincadeira. O ato de brincar é considerado necessário para a aprendizagem de uma criança, tendo uma função significativa no processo de desenvolvimento cognitivo, motor, social, emocional, cultural, afetivo, linguístico, comunicativo, sensorial, entre outros.
Atualmente, os brinquedos são o meio mais requisitado nos momentos lúdicos das crianças. A partir deles, as crianças constroem a linguagem, interagem com o outro, atribuem significados e exprimem sentimentos. Contudo, e apesar da sua reconhecida importância nas brincadeiras, o uso de brinquedos não deve ser priorizado como a única e insubstituível forma de conhecer e interagir com o mundo. Explorar e vivenciar o corpo, juntamente com a criança, é também o meio primordial para a sua interação com o mundo e para as trocas de experiências com o meio. Como tal, merece destaque nos momentos de brincadeira. A criança toma consciência, trava conhecimento e adquire progressivamente as particularidades que constituem o mundo dos objetos, devido a um uso cada vez mais diferenciado e cada vez mais preciso do seu próprio corpo.
A escola representa, para além da família, um outro meio que assume grande responsabilidade no processo de construção social das crianças, merecendo também a nossa atenção. A escola não só intervém na transmissão do saber científico organizado culturalmente, como participa em todos os aspetos relativos aos processos de socialização e individuação da criança, como são o desenvolvimento das relações afetivas, a habilidade de participar em situações sociais, a aquisição de destrezas relacionadas com a competência comunicativa, o desenvolvimento da identidade sexual, das condutas pró-sociais e da própria identidade pessoal.
De seguida, são sugeridos alguns comportamentos e brincadeiras específicos para diferentes faixas etárias:
 
Nascimento a 1 ano
0-3 meses
Este é um ótimo período para começar a ensinar habilidades de imitação ao bebé. Nesta idade, ele vai começar a produzir sons e também vai gostar de olhar para o que mais gosta: o rosto dos seus pais e cuidadores. Enquanto o bebé olha para si, retribua o olhar e converse com ele, muitas vezes ao mesmo tempo que a sua voz interessante, variando a sua altura e intensidade. Para além disso, imite os sons que o bebé realiza.
4-6 meses
O bebé começa a juntar diferentes sons e joga ao “fazer sons”. Durante as atividades diárias, como na hora da refeição, fale diretamente com o bebé utilizando vogais e combinações de consoantes, como “mama”, “papa” e “bola”, adequando sempre a sua linguagem ao contexto.
Enquanto olha e interage com o bebé, tente cantar uma música e pare durante uns momentos; espere que o bebé vocalize algo de volta, como se tivesse a pedir por “mais música”, e continue a cantar. Deste modo, o bebé começa a interiorizar algumas regras comunicativas: com o meu comportamento eu consigo influenciar o comportamento do outro; existem regras de tomada de vez nas trocas comunicativas.
Sorria, acene com a cabeça, chame pelo seu nome, nomeie o que estiver no seu campo de visão e descreva as ações relacionadas. Crie situações em que a criança possa localizar as fontes dos sons colocados fora da sua visão: o cão faz ão ão lá fora; Pi pi, o carro apitou; Pum, o boneco caiu!
 
6-12 meses
O bebé vai começar a balbuciar várias sílabas de cada vez. Encoraje-o a produzir combinações diferentes, reforce essas combinações de sons com uma voz diferente, em tom de brincadeira, com uma entoação variada. Enquanto brinca a estes jogos de diferentes entoações, dê à criança alguns segundos para reproduzir também ela alguns sons de volta para si, como se fosse uma conversa. Em seguida, recompense-a com um sorriso, abraço ou cócegas.
Deixe que o bebé observe e imite os seus movimentos faciais durante a produção de sons (por exemplo, tic-tac do relógio, barulho do carro, campainha, telefone, animais). Encoraje-o a imitar o movimento dos seus lábios e língua, fazendo sons engraçados e sons com os lábios.
As rimas e lenga-lengas! Incentive-o a ouvir, cantar e dançar canções que rimam pois existe uma ampla gama de sons a serem estimulados.
Mostre gestos comunicativos (dizer adeus lançar beijinhos, movimentar a cabeça para o sim e o não) e incentive a criança a imitar. Em simultâneo, verbalize o seu significado. Esta atividade vai ajudar a criança a utilizar gestos para comunicar e a vocalizar cada vez mais.
 
1 ano aos 2 anos
Nesta faixa etária, a criança já realizou diversas descobertas e aprendizagens e experimentou uma variedade de jogos e de situações. As atividades serão cada vez mais complexas, sendo necessário encorajar a criança a participar ativamente nas brincadeiras, com elogios e expressões afetuosas. É também necessário – tal como em qualquer outra altura – proporcionar-lhe um mundo feliz, divertido e engraçado, repleto de estímulos apropriados às diferentes áreas do desenvolvimento infantil. Nesta idade, a criança pode planear as suas ações e compreender a forma como as coisas acontecem, assim como antecipar a solução para um problema.
Para estimular a sua linguagem, os familiares podem fazer brincadeiras com os telefones e jogar ao “falar”, de modo a incentivar a comunicação. Incentivar o agrupamento das palavras que têm alguma característica em comum (como por exemplo, peças de roupa, tipos de alimentos, cor) e estimular a criança a formar frases simples, com, por exemplo, o uso de pronomes em relação a si própria e aos outros (p.e. eu/tu/meu/tua/meus, Eu tenho a tua bola); formas adverbiais de lugar (p.e. aqui/ali, Vamos brincar aqui no escorrega); adjetivos qualificativos (O carro novo é vermelho; A tua camisola é muito gira; A bola é verde e grande). Todos estes conceitos verbais irão ajudar a criança a clarificar a expressão da sua linguagem.
Os familiares poderão também referir à criança as palavras concretas que conduzem a um acontecimento/ação, relacionando-a, posteriormente, com o objeto, o nome que o designa e os efeitos solicitados. Ensinar canções, versos infantis, com palavras que lhe sejam conhecidas, de modo a estimular o ritmo da sua expressão verbal.
Por fim, poderão também ajudar no desenvolvimento e fazer com que a criança identifique as atividades realizadas por ela mesma, assim como as do seu quotidiano.
 
De certo modo, adequamos os nossos comportamentos e abordagens à idade e fase de desenvolvimento de uma criança. Porém, existem também outros aspetos que devemos ter sempre em consideração quando interagimos com uma criança:
– Utilize as palavras corretas e não a boboleta no lugar de borboleta. Mesmo que a criança não pronuncie a palavra corretamente, forneça-lhe o modelo correto: Ah, estás a falar da borboleta?.
– Utilize nomes corretos e concretos, seja específico: a banana é uma fruta.
– Reforce sempre o modelo correto de forma positiva e evite dizer à criança que disse a palavra de forma errada.
– Ao fazer uma pergunta ou introduzir um tema, tenha paciência e dê tempo à criança para organizar e preparar uma resposta.
– Incentive a criança a vocalizar e a utilizar a fala, em vez de usar apenas a comunicação “olhos nos olhos” ou o gesto de “apontar”.
– Estimule sempre o seu filho a ir cada vez mais longe. Se ele já sabe utilizar uma palavra, ensine outra, aumente o seu vocabulário.
 
O desenvolvimento da criança depende muito do ambiente em que ela vive. È através das experiências da vida diária que a fala se irá desenvolver. Sendo assim, devem ser realizadas várias atividades onde possam ocorrer trocas que irão contribuir de forma decisiva para a integração da criança na vida social.
Lembre-se que é importante que ambos os intervenientes, crianças e adulto, se divirtam. Aprecie o ato de comunicar com o seu filho, crie laços com ele, histórias, ideias e gargalhadas.
 
Terapeutas da Fala
Ana Paris Leal
Mariana Alface