Entrevista ao Correio da Manhã TV

Nascem 180 com fenda labial por ano 

 

 

É uma malformação que atinge um em cada 700 bebés portugueses. A fenda ou fissura labial, palatina ou lábio-palatina é frequente e implica um acompanhamento do doente até que este atinja a idade adulta, o que levou à criação de uma equipa de médicos, de várias especialidades, no HPP – Hospital da Boavista, no Porto. O objectivo é garantir o êxito ao longo do tratamento.

 

“Uma fenda ou fissura é uma falta de continuidade de uma estrutura que devia ser contínua mas não se uniu no processo embrionário. Pode ser no lábio, no palato [céu da boca] ou em ambos”, começa por explicar Bessa Monteiro, director do serviço de Cirurgia Pediátrica no HPP – Hospital da Boavista. É ainda presidente da APFP – Associação Portuguesa dos Amigos das Crianças Portadoras de Fendas Lábio-Palatinas.

 

Em cada dois minutos e meio, nasce, no Mundo, uma criança com esta malformação. Em Portugal nascem por ano cerca de 180 crianças com este problema. Tem várias causas e consequências: afecta a sucção e a erupção dentária; altera a deglutição e a fala; facilita infecções que se estendem ao ouvido e que podem levar a perdas de audição, além de afectar a vertente estética e psicológica da criança.
O tratamento passa essencialmente pela cirurgia, ortodontia (especialidade da medicina dentária que trata as irregularidades dento-faciais) e terapia da fala. Mas no HPP – Hospital da Boavista há outras áreas que trabalham em conjunto com as três primeiras, tais como otorrinolaringologia, estomatologia, genética, fonoaudiologia e psicologia/psiquiatria. A equipa é assim multi e transdisciplinar (todos sabem um pouco da outra especialidade). O hospital visa, assim, posicionar-se como um centro especializado nesta patologia.
“O grupo surgiu para atingir determinados objectivos: proporcionar aos doentes uma fala correcta, aparência estética perfeita e proporcionar-lhes uma reabilitação oral normal e uma intervenção social. Temos miúdos que só aos 20/25 anos conseguem a reabilitação total”, diz.
DISCURSO DIRECTO
“SEIS MIL PESSOAS VISITAM O NOSSO BLOGUE”, Rowney Furfuro, Dentista no HPP – Boavista
Correio da Manhã – Por que é que surgiu a necessidade de criar a equipa multidisciplinar?
Rowney Furfuro – Há muitos tratamentos que são implementados ao longo da vida a uma criança que nasça com esta malformação. Têm de ser acompanhadas em regime de longo prazo por várias especialidades.
– E porquê transdisciplinar?
– Todos os tratamentos que envolvem várias disciplinas implicam misturar as especialidades. Tenho de perceber qual a dificuldade que o cirurgião vai ter, porque o meu trabalho tem de facilitar a cirurgia.
– Como é que chegaram a esta equipa?
– Esta equipa já trabalha como equipa há vários anos, mas no HPP é desde 2011. A reunião desses especialistas todos num único local é uma característica nossa.
– Recebem doentes só da região do Porto ou de todo o País?
– Recebemos doentes de todo o País, que nos chegam através do blogue da associação APFP, que é visitado mensalmente por mais de 6000 pessoas.
– E como é que nasceu a associação?
– A associação foi criada por Bessa Monteiro, que foi quem mais se empenhou no tratamento das fendas lábio-palatinas. Toda a minha descoberta veio da paixão que ele me transmitiu.
– Quando é que a criaram?
– Em 2008 criámos a associação e fomos contagiando outras pessoas. Depois, criei o blogue e surgiu a mascote: um coelho.
O MEU CASO: MARGARIDA
“FOI OPERADA COM TRÊS MESES”
Margarida, actualmente com oito anos, nasceu com fenda labial incompleta (a arcada alveolar, onde os dentes se integram, estava íntegra). O problema foi detectado ao quarto mês de gravidez. “Identificaram a malformação numa ecografia morfológica, feita na 19ª semana de gestação. Disseram-nos que ia ser fácil de resolver numa cirurgia quando o bebé nascesse, mas não conhecíamos ninguém com o mesmo problema”, revela Elsa Pinho, mãe de Margarida.
Era o primeiro filho do casal Pedro Fernandes e Elsa Pinho, de Senhora da Hora, Matosinhos. “A minha cunhada indicou-nos o doutor Bessa Monteiro antes dela nascer. Desde aí nunca mais nos largou. Foi operada com três meses para fechar a fenda e ficou resolvido”, explica Elsa Pinho.
Hoje, Margarida não mostra sinais da malformação, mas continua a ser seguida pelo cirurgião e restante equipa do HPP – Hospital da Boavista. “Até à idade adulta pode ter de ser submetida a nova cirurgia”, diz Elsa Pinho.