Contributo Pedopsiquiátrico da Drª Alda

Alterações sócio-emocionais em crianças com fenda palatina
A etiologia das fendas lábio palatinas é ainda hoje parcialmente desconhecida, mas considera-se ser multifactorial .Enquanto a fenda do lábio com ou sem fenda do palato é mais prevalente nos asiáticos (1.7%) e no sexo masculino, a fenda do palato tem uma prevalência constante (0.4%)e é mais frequente no sexo feminino.
Pode estar associada a diferentes síndromes congénitos com envolvimento múltiplo pelo que é importante que estas crianças sejam avaliadas por equipas multidisciplinares, não devendo descurar-se os aspectos psicológicos inerentes a esta patologia.
Segundo alguns estudos (M.Fenha e col.2000) não parece haver diferenças significativas entre o desenvolvimento cognitivo e emocional de crianças com Fenda palatina e os grupos controle excepto no desenvolvimento da linguagem.
Temos, no entanto de realçar que estes estudos não foram específicos para todas as faixas etárias nem avaliaram aspectos importantes do desenvolvimento afectivo destas crianças, como a auto-estima, auto-imagem, capacidade de integração social, autonomia e perspectivas quanto ao futuro, ansiedade em relação aos tratamentos e cirurgias.
Seria importante a avaliação sistemática destas crianças com instrumentos específicos, para poder obter resultados mais objectivos, relativamente a estes aspectos.
O tratamento da Fenda Palatina envolve uma equipa multidisciplinar e vários procedimentos e cirurgias ao longo do desenvolvimento da criança e do jovem.
É importante conhecer as etapas do desenvolvimento afectivo para poder perceber quais os aspectos mais sensíveis em cada fase que podem aumentar a vulnerabilidade aos tratamentos.
Desenvolvimento afectivo
A CRIANÇA DOS 0 AOS 3 ANOS

Desenvolvimento sensório-motor e da linguagem;
Interacções afectivas:
Após os 6 meses começa a ter angústia perante o estranho e a sofrer mais com as separações -início da vinculação (importância do holding)
18 meses -«não»-poder sobre o meio
3 anos – «eu» – consciência de si
Momentos sensíveis:
Desmame/controle de esfíncteres/separações
Há muita ansiedade em relação à separação da mãe

A CRIANÇA DOS 3 AOS 6 ANOS

Problemática Edipiana /ciúme/culpa/ambivalência
Importância do jogo e socialização
Entrada para o infantário
Raciocínio indutivo/pensamento mágico
Evolução da lateralidade/grafismo/esquema corporal
Realismo moral – necessidade de sanção
Muitas vezes a doença é vista como um castigo para as suas «asneiras ou culpas». Há muitos medos em relação aos procedimentos cirúrgicos.

A CRIANÇA DOS 6 AOS 12 ANOS

Fase de latência – investimento na escola e na socialização
Passagem da intuição à operação, pelo distanciamento entre o pensamento e a percepção – fase das operações concretas
Autonomia (deve ser promovida)
Início da puberdade (vergonha/culpa/pudor)
Noção de finitude -morte
Necessidade de perceber o que lhe vai acontecer; respeito pelo corpo
Importância da auto imagem e do que os outros pensam dela
Receio pelo risco de morte nas cirurgias

Adolescência

Necessidade de autonomia e privacidade
Procura da sua identidade
Importância do corpo, auto-imagem
Receio da rejeição social
Oposição em relação aos adultos; Desafio das regras
Tendência depressiva, auto destrutiva por vezes
Dificuldades em comunicar ou expressar as emoções
Necessitam de saber tudo sobre os tratamentos e sentir que a sua opinião conta. Precisam de ser tranquilizados em relação ao futuro, favorecendo a expressão emocional, devendo evitar-se atitudes impositivas.
Etapas mais sensíveis numa criança com fenda palatina

 

Logo ao nascimento estas crianças são percepcionadas pelos familiares de modo diferente, visualizando um RN deformado, diferente do bebé desejado, o que causa sentimentos contraditórios de super protecção/rejeição/culpa/receio.
É importante que haja um acompanhamento e preparação dos pais mesmo antes do nascimento, assim que houver certeza do diagnóstico.
É importante tranquilizar, permitir descarga emocional e desculpabilização. Pode ser útil mostrar imagens de crianças antes e depois de tratamento se desejarem.
Nos primeiros procedimentos (aderência do lábio; Encerramento do lábio e palato mole) é importante ter atenção aos problemas de sucção e deglutição que podem levar a maior frustração oral. O encerramento do palato já ocorre numa fase mais sensível em que a presença da mãe deve ser sempre permitida, com treino relativamente aos problemas alimentares e fonatórios, compensando a criança com grande suporte afectivo.
Conclusão

 

Desde o início que é importante o trabalho de toda a equipa multidisciplinar e o envolvimento dos pais, sem esquecer a perspectiva da criança, de acordo com a sua faixa etária.
É desejável que a equipa seja apresentada desde cedo como um grupo de pessoas que vão ajudar a criança a melhorar mas seria preferível evitar falar dela na presença de todos, permitindo depois uma avaliação mais individual por cada especialista, estabelecendo uma relação de confiança e respeitando a sua privacidade e ritmo próprio para se adaptar às intervenções.
Os grupos de pais podem ser importantes para suporte e partilha de experiências.
Alda Mira Coelho
Pedopsiquiatra 2008